terça-feira, 26 de maio de 2009

Herói ou heroína?

O que vou relatar agora, aconteceu há algum tempo, mas desde o ocorrido, tenho pensando como devo me expressar em relação ao fato.
Primeiramente, quero entender o que é um herói. Será que é um cara tipo Super-Homem, que todo mundo aceita e acha maravilhoso, ou algum outro, que se pareça com um personagem Marvel, cheio de incertezas, dúvidas e defeitos? Será que um herói tem que ser amado por todos ou deve ser odiado por alguns? Deve ser, ele, uma unanimidade ou pode gerar controvérsias? Deve ser a regra ou a exceção?
Enfim, ao meu modo particular de enxergar a vida, modo este que já me rendeu muitos aborrecimentos e desafetos, eu vi um herói em ação. Vi de verdade. Não foi sonho e nem fantasia. Não saiu no jornal e nem publicado numa revista em quadrinhos. E tenho absoluta certeza que só eu e a vítima, caso ela seja uma pessoa com capacidade para reconhecer um herói, acreditamos se tratar mesmo de um grande herói.
A história aconteceu da seguinte forma:
Eu estava num ônibus, passando pela Lapa, indo para a minha casa no Flamengo, como de costume, com um fone no ouvido. Logo após passar os Arcos da Lapa, ao parar num ponto, percebi que havia uma movimentação. O ônibus não anadava e o motorista gesticulava. Tirei os fones do ouvido para ver o que se tratava, pois não estava afim de ficar no meio de qualquer confusão, por pressa de voltar para minha casa.
Na hora em que deixei de ouvir as músicas do meu MP4, vi o motorista dizendo: "Ele te cagoetou" e em seguida, abriu a porta de trás para a pessoa saltar, e parado na frente do ônibus, um negro.
Achei que se tratava de uma briga, mas não vi ninguém fugindo do ônibus e o motorista gritava para o negro sair da frente. Foi quando percebi que ele, além de impossibilitar a saída do ônibus em que eu estava, também impossibilitava a saída do ônibus do lado. Achei a situação mais estranha ainda e pensei se tratar de um assalto e estava procurando o bandido. Sabia que não era o negro, pois ele não fugia e sim evitava que os dois ônibus saíssem.
De repente, do ônibus ao lado, depois de tanta insistência do negro, uma menina, com uniforme colegial, saltou e entrou no meu ônibus. Tive a certeza nesta hora que ela queria mudar de ônibus e o negro havia a ajudado. Pensei comigo: "Que cara bacana, preocupado com a menina".
Só que ela subiu e ele veio junto dizendo: "Ela entrou ai dentro, vai lá". A menina então, com uma voz triste e chorosa falou: "Por favor, alguém viu meu MP4 que caiu no chão?". Silêncio total.
O negro insistia: "Ela entrou aqui sim" e a menina desesperada, com um semblante de ter perdido algo que sonhou por muito tempo em adquirir, continuava a pedir seu aparelho.
Eu, tentando me lembrar da última pessoa que havia entrado, comecei a olhar para trás e lembrei que o motorista havia aberto a porta. Nesta hora pensei que a pessoa já tinha fugido e quando fui avisar ao negro e a menina, meus olhos passaram por uma mulher. Imediatamente eu a reconheci como a última pessoa que havia entrado e me empolguei para dedurar a filha da puta. Só que antes que eu fizesse isso, a própria mulher, trajando uma roupinha estravagante, mas de qualquer forma, bem melhor trajada que o negro, levantou e disse: "Eu achei seu MP4 e ia te entregar".
Meu cérebro ferveu. Como aquela vaca pretendia entrar, se correu para dentro do ônibus? Pior, se não fosse o negro impedir que os dois ônibus saíssem, a menina tinha ido embora para um lado e a safada para o outro. Que indignação!
Mas não parou por aí, pois o negro, que deve ter pensado o mesmo que eu, com um sorriso irônico disse: "A senhora ia entregar? Sei! E por que não entregou?".
Agora começa a pior parte, a desclassificada teve a cara de pau de dizer: "Você queria o aparelho dela e eu não ia entregar para você", em seguida, depois de ter modificado a situação, passando de ladra a heroína, entregou o aparelho a menina, que saltou do ônibus completamente aliviada. O negro desceu, o ônibus prosseguiu e a história teve fim. Teve fim para a menina e o negro, mas não para mim.
A desgraçada de mulher, junto com o filho da puta do motorista, resolveram colocar as coisas no seu devido lugar. Um negro é apenas um negro e uma mulher bem vestida, mesmo que cafona, e mais do que apenas isso. A sem vergonha começou a repetir incansavelmente a mesma história e o motorista, que havia aberto a prota para a ladra fugir, assim que ela entrou no ônibus com o MP4 da menina que ela viu cair e pegou indevidamente (essa piranha deve viver sob a máxima que achado não é roubado), assinando embaixo.
Todos no ônibus (umas velhas assustadas, uma gorda debilóide e mais uma meia dúzia de gente da pior categoria) chegaram a conclusão que neste episódio, a mulher foi a heroína, por ter evitado que o negro se apoderasse do MP4 da garota e nesta hora, quando a mulher pegou o aparelho, o negro, com raiva e inveja de não ter conseguido para ele o objeto, resolveu entregar a mulher. A certeza era absoluta e todas elogiavam a rampeira.
Eu, que há pouco tinha sofrido uma alteração na pressão arterial, estava querendo evitar brigas e discussões. Resolvi então, ficar calado e, infelizmente, não mencionei uma palavra sequer em defesa do negro. Sabia que me aborreceria mais do que já estava me aborrecendo, de tanta nojeira que eu ouvia. Sabia que, mais uma vez, minha visão particular de ver a vida me causaria transtornos.
Eu não conseguia colocar os fones e me isolar daquela gente. Preferi escutar, como um castigo por não ter me intrometido, todas aquelas asneiras ditas.
Decidi que um dia escreveria sobre o fato, que faria um texto, uma música ou qualquer outra coisa, mas que eu me expressaria sobre o assunto, não poupando adjetivos e xingamentos, sem evitar preconceitos de minha parte, pois tudo que eu vi naquele dia foi exatamente isso, um bando de criaturas passíveis de preconceitos, agindo de forma preconceituosa. Transformando o herói negro num provável bandido e a escrota, em heroína.

Uma música me vem a cabeça, que é perfeita para ilustrar este ocorrido. Chama-se Assim Assado dos Secos e Molhados. Vale a pena a audição, mas enquanto isso, deixo a letra da canção para o desfrute.

São duas horas da madrugada de um dia assim
Um velho anda de terno velho assim assim
Quando aparece o guarda belo
Q
uando aparece o guarda belo

É posto em cena, fazendo cena um treco assim
Bem apontado ao nariz chato assim assim
Quando aparece a cor do velho
Quando aparece a cor do velho

Mas guarda belo não acredita na cor assim
Ele decide o terno velho assim assim
Porque ele quer o velho assado
Porque ele quer o velho assado

Mas mesmo assim o velho morre assim assim
E o guarda belo é o heroi assim assado
Porque é preciso ser assim assado
Porque é preciso ser assim assado

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